quarta-feira, 21 de novembro de 2007

parte 2

Este,entretanto, era um momento particular. Se via rodeado de carnes desconhecidas.
Fofocou algo em seu pensamento. Parecia afirmar a beleza que era a companhia do nada.
A carne do nada.
A carne da solidão.
A carne da sua carne.
Sim. Sua própria pele não se firmava em seu corpo. E era tão cômico ter esquecido quem era, que soltou um leve riso tímido.
A certeza era seu gosto por cigarros, suas mãos calorosas e as velhas notícias do jornal afogado no chão.
Mas quem ele era?
Neste tempo, nunca havia levantado esta questão para si mesmo, até se dar conta de que aquele seria seu último suspiro recheado de fumaça do velho cigarro.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

parte 1

Jornais rabiscados pelo chão molhado,
cadeiras quebradas em meio de cinzas,
uma sala impregnada por um cheiro clássico de fumo.
Uma poltrona cheia de furos, sinônimo de ninho de ratos,
já não era mais útil, assim como aquela casa.
Mas ali permanecia sem queixar-se.
Tudo era de grande agrado.
Seu maço de cigarro bastava.
Fazia uma caminhada diária,andando de um extremo ao outro do ambiente isolado.
Como há tempos não recebia visitas, encontrava grandes entretenimentos em pequenas façanhas: aprendeu a utilizar, com eficiência, as duas mãos pelo seu corpo.
Sim, somente a ausência de toques da pele humana, se preferível de outra, lhe perturbava.
Sentia prazer numa leve tragada de fumaça escura.
Não recordava quanto tempo havia se passado desde sua fuga. Já não aguentava aquela imensa bobagem dos homens. Sentia vergonha de ser homem. Que pena.
A própria voz o enfurecia. Calou-se, então.
Do que adiantava escutar aquilo que já compreendia antes mesmo de ouvir?

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Naquele momento, tudo padeceu sob pontes de estranhos sentimentos.
Já não me era o que era.
Meticulosamente,
não tropeçando em cadáveres memoráveis que compuseram remorsos agressivos
estruturados pelo meu corpo,
entorpecentes,
mastiguei pequenas lembranças agradáveis de minha vida.
Relembrei tudo. Do nada um pouco chorei.
Era uma grande bobagem sentir vergonha.
Cortei-me por dentro, como uma escapatória embriagada de ilusões não vividas,
de fotografias simples, imaginadas.
Já fatigada daquele cheiro do arrependimento,
que é como o alimento de abutres,
virei-me para ela e a questionei insegura:
"Quanto mereço agora?"
E sem uma gota de remorso, porém orgulhosa de si,
respondeu-me:
" À mim mesma"
Então desci os flutuantes degraus trêmulos com a Morte,
não sabendo ao certo onde aquilo daria,
como andava sobre o firme chão encantador da Vida.