quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

parte 5

Nada podia fazer se não buscá-la em meio de homens imundos. Foi o que fez. Fugiu de sua fuga.
Há anos luz de decisões não tomadas que ele a queria. A dois anos de indecisões.
Parecia menos desde que seus corpos fundiram-se. Não só eram do mesmo sangue, como da mesma carne. E a única carne não desconhecida em seu tato era a dela.
Perfeito. Este sim era o amor perfeito.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

parte 4

Despejou toda a ânsia lançando uma garrafa de whisky vazia contra o chão.
As emoções embaralharam-se como o fim de um jogo de cartas. Quanto mais dor sentia, maior era seu prazer. Enclausurou-se louco em um mundo de loucos enclausurados.
Seu pensamento era um labirinto dos encantos de Alice, de seus toques, da sua boca.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

parte 3

Sentiu o gosto dos lábios de sua irmã. Era idêntico àquele momento. Fumou como sentisse o prazer que nenhuma outra mulher o proporcionava, como a possuiu pela primeira vez.
Queria mais. Ele a desejava mais e mais.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Amarrou os seus braços em minhas pernas,
e fez de suas pernas os meus braços.
Quanto enlaço!
Com seus olhos formou os meus joelhos,
que sustentam minhas angústias,
e pisou com seus cabelos em meus pés.
Sabotou os meus ouvidos,
tocando-os com sua língua
e queimou a minha boca com seu fogo.
Meu sorriso já não era o meu sorriso,
o meu choro já não era o meu choro.
E quem era?
Ele ou ela?
Jubilou minha sentença com a ardente sedução de seu cheiro insasiável. Luxúria.
Copiou o meu corpo como um refrão de uma canção triste
e moldou o meu sexo dando um nó em meu gozo.
Acariciou minha pele como se aquele toque fosse o seu último
e partiu.
O seu corpo misturado com minh' alma estava em minhas mãos,
e sua alma afogada no meu corpo me deixou.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

(não faz parte das partes)

Inventei um jogo coletivo.
Faz parte de umas histórias safadas que me contaram há tempos atrás.
Você pega duas pessoas, cria um romance na cabeça mesmo e pronto. Tá formado o esquema.
Mas tem que ter cuidado pra não cair no ouvido de muita gente ou tudo vai pelos ares. Cuidado.
Faz o seguinte: a moça tem que olhar pro moço, mas se não for moço também vale. E o moço tem que ver a moça sorrindo, se não for moça, também pode. É mais ou menos assim.
Depois vem o primeiro encontro, coincidentemente, claro, seguido de uns carinhos.
A primeira briga por besteira, a segunda por besteira e a terceira por ter tanta besteira. Mas na hora de fazer as pazes, todo mundo chora de felicidade. Simples.
Quando tudo estiver perfeitamente esquematizado, sem nenhum problema à vista, sempre a mesma paixão safada de todos os dias anteriores e posteriores, cuidado de novo.
Meu pai me disse que isso cheira a "novas aventuras" (quando um pula a cerca),afinal, rotina é a empresa do diabo.
Aí a moça chora (se for moço, também aceito), o moço vai embora (se for moça, tá valendo) e você fica esperando ela ou ele lá, do outro lado da cerca.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

parte 2

Este,entretanto, era um momento particular. Se via rodeado de carnes desconhecidas.
Fofocou algo em seu pensamento. Parecia afirmar a beleza que era a companhia do nada.
A carne do nada.
A carne da solidão.
A carne da sua carne.
Sim. Sua própria pele não se firmava em seu corpo. E era tão cômico ter esquecido quem era, que soltou um leve riso tímido.
A certeza era seu gosto por cigarros, suas mãos calorosas e as velhas notícias do jornal afogado no chão.
Mas quem ele era?
Neste tempo, nunca havia levantado esta questão para si mesmo, até se dar conta de que aquele seria seu último suspiro recheado de fumaça do velho cigarro.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

parte 1

Jornais rabiscados pelo chão molhado,
cadeiras quebradas em meio de cinzas,
uma sala impregnada por um cheiro clássico de fumo.
Uma poltrona cheia de furos, sinônimo de ninho de ratos,
já não era mais útil, assim como aquela casa.
Mas ali permanecia sem queixar-se.
Tudo era de grande agrado.
Seu maço de cigarro bastava.
Fazia uma caminhada diária,andando de um extremo ao outro do ambiente isolado.
Como há tempos não recebia visitas, encontrava grandes entretenimentos em pequenas façanhas: aprendeu a utilizar, com eficiência, as duas mãos pelo seu corpo.
Sim, somente a ausência de toques da pele humana, se preferível de outra, lhe perturbava.
Sentia prazer numa leve tragada de fumaça escura.
Não recordava quanto tempo havia se passado desde sua fuga. Já não aguentava aquela imensa bobagem dos homens. Sentia vergonha de ser homem. Que pena.
A própria voz o enfurecia. Calou-se, então.
Do que adiantava escutar aquilo que já compreendia antes mesmo de ouvir?